A ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse nesta quarta-feira (31), em Brasília, que a vacina contra a dengue significa esperança diante da explosão de casos da doença no país, mas não é a solução para o atual cenário epidemiológico em razão da quantidade do imunizante disponibilizada pelo laboratório fabricante, algo em torno de seis milhões de doses, o suficiente para imunizar três milhões de pessoas, já que o esquema vacinal completo é feito com duas doses.
“A vacina é nosso instrumento de esperança em relação a um problema de saúde pública que tem quase 40 anos. Finalmente, temos vacina. Temos que celebrar. Mas, a vacina, no quantitativo que o laboratório tem hoje para nos entregar e sendo uma vacina de duas doses, numa situação como a que vivemos hoje, não pode ser apontada como solução. Se o Ministério da Saúde fizesse isso, ele estaria errado. [A vacina] não pode ser apontada como solução para esse momento agora,” observou.
“A vacina é nosso instrumento de esperança em relação a um problema de saúde pública que tem quase 40 anos. Finalmente, temos vacina. Temos que celebrar. Mas, a vacina, no quantitativo que o laboratório tem hoje para nos entregar e sendo uma vacina de duas doses, numa situação como a que vivemos hoje, não pode ser apontada como solução. Se o Ministério da Saúde fizesse isso, ele estaria errado. [A vacina] não pode ser apontada como solução para esse momento agora,” observou.
Oposição critica Ministério da Saúde
Recentemente, em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo, o ex-ministro Marcelo Queiroga, que ocupou a pasta da Saúde no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e tem sido um dos principais porta-vozes da oposição ao governo Lula, afirmou que a atual gestão do Ministério da Saúde cometeu negligência e irresponsabilidade, deixando milhões de brasileiros sem vacina contra a dengue. Confira abaixo o artigo na íntegra:
A demagogia vacinal e a hipocrisia dos enviesados – Por Marcelo Queiroga
O episódio do atraso da vacina contra a dengue desnudou, definitivamente, a demagogia vacinal do governo federal e o viés de especialistas e de parte da imprensa brasileira. Não há dúvida que os gestores federais da saúde foram negligentes na avaliação, incorporação e aquisição da vacina contra a dengue.
Em 2022, os números da dengue no Brasil já foram alarmantes (1.420.259 casos), sendo previsível que, em 2023, teríamos um número recorde de casos, o que se confirmou (1.658.816 casos).
Em março de 2023, a Anvisa aprovou a vacina tetravalente TAK-003, uma nova esperança para conter a epidemia de dengue no país. Mas, como sabemos, o Ministério da Saúde tinha outros planos: esperar pela vacina nacional, fruto de parceria com uma grande indústria americana, prometida para o final de 2024, conforme amplamente noticiado na imprensa nacional.
Em julho, a vacina contra dengue começou a ser aplicada nas clínicas privadas, indicada desde 4 a 60 anos, com preços variando para as duas doses entre R$ 800,00 e R$ 1.000,00. Somente quem conseguia arcar com os custos tinha acesso a essa vacina.
Os números inéditos de vidas perdidas para dengue em 2023 (1.094), cerca de 3 óbitos por dia, e a pressão que fizemos em redes sociais e no Congresso Nacional, forçou o Ministério da Saúde abandonar a letargia e negociar com a indústria farmacêutica as vacinas que havia esnobado. Contudo, com retardo inaceitável para um governo que dizia ter entre suas bandeiras a recuperação das coberturas vacinais no país. O estrago já estava feito!
Somente em dezembro de 2023, após uma morosa tramitação do processo de avaliação na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), o Ministério da Saúde anunciou a incorporação da vacina TAK-003 no SUS, em face de demanda feita pela Takeda Farma Ltda. Embora tenha havido o anúncio formal da incorporação da vacina, ainda não sabemos quando começará a vacinação no país. Ou seja, um atraso inaceitável, cerca de 1 ano após o registro na Anvisa da vacina. Adite-se que somente crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos devem ser vacinados, um público-alvo estimado de 30 milhões de brasileiros, quando a indicação prevista no bulário é de 4 a 60 anos.
A omissão do governo federal não foi impune, pois a indústria farmacêutica, segundo noticiado na imprensa só conseguirá entregar ao Ministério da Saúde pouco mais de 5 milhões de doses, o suficiente para vacinar somente 1,1% da população brasileira.
Não há como deixar de fazer uma analogia com a incorporação no SUS das vacinas contra COVID-19, em particular para crianças entre 6 meses e 5 anos incompletos, cujo registro na Anvisa foi concedido em 16 de setembro de 2022, quando não estava mais em vigência no Brasil a Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN).
Portanto, a incorporação dessa vacina no SUS deveria, obrigatoriamente, atender os requisitos da lei, ou seja, era imperativo a avaliação da Conitec. À época foi autorizada pelo Ministério da Saúde, cautelarmente, a aplicação da vacina para todas as crianças que apresentassem comorbidades, até que a Conitec concluísse a avaliação, o que ocorreu em dezembro 2022. Destaque-se que a demanda de avaliação dessa vacina (Comirnaty – Pfizer) foi interna, feita pela Secretaria de Vigilância em Saúde. Todo trâmite, desde a aprovação da vacina na Anvisa até a incorporação no SUS transcorreu em cerca de 90 dias.
Mesmo diante de todas as narrativas imputadas a nossa gestão, não há como negar que fomos diligentes e cumprimos com todas as responsabilidades legais, apesar das críticas infundadas feita por especialistas enviesados, no mínimo fanáticos por vacinas, e de boa parte da imprensa militante. Só à guisa de ilustração, destaco matéria publicada no Estadão, em 6 de dezembro de 2022, repleta de aleivosias, a qual tratava a avaliação pela Conitec como mera burocracia: “Trâmite burocratiza incorporação da vacina para crianças sem comorbidades, apontam especialistas.”
Diziam, ainda, que: “É um absurdo você submeter a um órgão que avalia custo e efetividade uma vacina contra covid em plena pandemia, que você precisa urgentemente vacinar” e “É uma burocratização irresponsável, inconsequente e negligente”. Para esses especialistas, cumprir a Lei 14.313/2002, que dispõe sobre incorporação de tecnologia no SUS, é um ato de irresponsabilidade e negligência.
Lamentavelmente, durante a pandemia de Covid-19, muitos desses especialistas se converteram em verdadeiros lobistas de jaleco, o que impunha cuidados adicionais da gestão pública, pois vultosas quantias financeiras estão em jogo, como a adoção de política de integridade e estabelecimento de regras de compliance, como as incluídas na Portaria GM/MS 3.473, de 12 setembro de 2022, a qual dispunha sobre a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), e que impunha aos seus membros externos, como os especialistas vinculados às sociedades científicas, a ausência de qualquer vínculo ou circunstância que pudesse suscitar potencial conflito de interesse em relação ao tema submetido a sua análise, de forma a permitir a atuação com independência e idoneidade.
Inexplicavelmente, a atual gestão do Ministério da Saúde, prontamente revogou essa portaria. Seguramente, houve quem comemorasse de maneira efusiva essa medida.
Como se dizia à época da Jovem Guarda: “Daqui pra frente tudo vai ser diferente…”
De volta ao caso da vacina da dengue, hoje estamos diante de um cenário em tudo diverso, pois a tolerância com o governo federal é comovente: os outrora combativos especialistas ratificam em tudo a posição oficial com a cumplicidade de parte do consórcio da mídia. Como fica claro nessa manchete do jornal Folha de S. Paulo: “Entenda por que crianças e adolescentes vão receber antes a vacina contra dengue”. Ora, não se trata de receber antes, o que existe em relação a vacinação contra dengue no Brasil é atraso inaceitável.
Já aquele especialista, que acusou nossa gestão de irresponsável, inconsequente e negligente, agora, se quedou diante de sua cumplicidade com o Ministério da Saúde: “Se nós tivéssemos um estoque ilimitado de vacinas, com certeza a indicação seria de 4 a 60 anos, como está na bula”; “Mas estamos com um cobertor muito curto. Vamos ter que escolher uma porção da população de 6 a 16 anos e ainda regionalizar para situações mais epidêmicas.”
Não há como deixar de atribuir responsabilidade a alta gestão do Ministério da Saúde nesse lamentável episódio, pois a negligência é patente e a solução dada foi pífia.
É urgente que todo estoque de vacinas contra dengue no país, inclusive de clínicas privadas, seja requisitado para oferta no Programa Nacional de Imunizações. Enfim, o público-alvo estabelecido (crianças e adolescentes) tem prioridade, conforme o Estatuto da Criança e Adolescente.
Outras providências deveriam ser adotadas com máxima urgência, como apoiar o Instituto Butantan para que tenhamos a vacina nacional a curto prazo, talvez ainda no primeiro semestre desse ano, como fizemos com a Fiocruz na encomenda tecnológica com AstraZeneca. A própria Takeda Pharma já é parceira do Ministério da Saúde na Parceria de Desenvolvimento Produtivo para produzir no Brasil o Fator VIII recombinante na Hemobrás. O cenário epidemiológico é complexo e, em 2024, pode ocorrer uma explosão de casos (a previsão é de mais de 5 milhões).
Vamos deixar a demagogia vacinal de lado e vacinar quem necessita de vacina.
Marcelo Queiroga é médico cardiologista e ex-ministro da Saúde.