Era uma vez um paraibano que na presidência da Câmara Federal tinha diante de si a histórica missão de dar posse ao presidente Lula, primeiro operário e líder sindical a assumir o cargo no Brasil.
Esse fato histórico ocorreu em 1º de janeiro de 2003. O nome do líder: Efraim Araújo de Morais, do PFL, recém-eleito e ainda sem tomar posse, o que só ocorreria um mês depois, como senador da República eleito pela Paraíba.
Naquele momento, havia uma enorme esperança de o Brasil continuar avançando, modernizando-se, promovendo reformas necessárias, tanto na legislação, quanto nas práticas políticas, inaugurando uma nova forma de relacionamento entre governo e oposição.
O que se verificou, no entanto, foi o oposto.
Um exemplo importante foi o debate sobre a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O Governo Lula não quis reconhecer que a carga tributária estava crescendo muito. No Governo Fernando Henrique, foi em média de 30,2% do PIB; e no Governo Lula foi mais de 34% do PIB. Portanto, não havia mais qualquer necessidade de manter a CPMF nos moldes em que ela havia sido implementada. Sob a influência determinante de Efraim Morais, foi derrubado no Senado esse imposto corrosivo, com relatórios do próprio Governo Lula provando que a arrecadação havia engordado, e que, portanto, estava justificado o fim da CPMF, pois o problema da saúde pública nunca foi de recursos, mas de gestão. A CPMF foi derrubada, mas o presidente nunca perdoou quem derrubou.
Citei esse exemplo porque se, pelo lado das propostas legislativas, Efraim Morais foi o melhor senador paraibano na sua legislatura, por outro lado, durante seus oito anos de mandato, nunca abriu mão do seu dever de fiscalizar e de cobrar satisfações para os mal feitos dos Governos Lula I e II.
Após a festa da posse e a lua de mel do primeiro ano, desfez-se, como desfaz-se agora no Governo Lula III, a ilusão de que estávamos diante de um novo momento da política brasileira.
Efraim, junto com líderes da oposição, tomaram conhecimento sobre um barbudinho até então mais afeito aos bastidores partidários, Delúbio Soares. O tesoureiro do PT, sem nenhum cargo ou função dentro do Governo Lula, andava sem o menor constrangimento, até mesmo no plenário do Senado e em cafezinhos, com representantes de grandes empreiteiras e senadores da base aliada. De que estariam tratando? Qual o interesse comum?
Essas perguntas seriam respondidas na chamada CPI dos Bingos, presidida por Efraim Morais, que viria a desbaratar o rumoroso escândalo do Mensalão. O caso Waldomiro, primeiro assessor do então chefe da Casa Civil, o todo-poderoso José Dirceu, flagrado cobrando propina, foi só o início de um largo rosário de desvios de conduta dentro do Governo Lula.
Denunciada essa perniciosa relação, cobrando providências a Lula, o que se viu foi um presidente com ouvido de mercador acusando a imprensa brasileira de um “golpe”, palavra tão banalizada nos dias atuais.
Na CPI presidida por Efraim, surgiu outro personagem até então quase desconhecido e que veio a se tornar muito famoso: o publicitário Marcos Valério. Proprietário das agências de publicidade que serviram a um dos maiores escândalos da história brasileira.
A serviço do PT e dos seus aliados, o que se provou nesse período, foi o progressivo aparelhamento do Estado, a crescente apropriação dos instrumentos de política econômica, das instituições públicas de financiamento, das estatais e dos seus fundos de pensão.
O loteamento de cargos em troca de apoio no Congresso prevaleceu sobre a competência ou o mínimo de compromisso programático. A cooptação dos ditos movimentos populares, das centrais sindicais e entidades da sociedade civil, por meio de transferência de recursos, foi outra estratégia reveladora das pretensões de Lula.
Aliás, chama a atenção o fato de que, nada menos do que dois Ministros da Casa Civil dos Governos Lula I e II, José Dirceu e Erenice Guerra, caíram por envolvimento em escândalos, assim como Antônio Palocci foi apeado da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, também por corrupção.
Bingos, Celso Daniel, Toninho do PT, vampiros, Correios, sanguessugas, dólares na cueca, Francenildo, aloprados, ONGs, Bancoop, GTech, Gautama, para citar apenas alguns, são verbetes da enciclopédia de escândalos que envolveram o Governo Lula e o Partido dos Trabalhadores nesse período.
Por diversas vezes, Efraim alertou o Senado sobre a imposição da força hegemônica de Lula na política brasileira, baseada na troca de favores e cargos, e onde a corrupção e o compadrio prevalecem na gestão pública.
Lula reagiu no sentido de desmoralizar de todas as formas possíveis o Congresso Nacional minando o seu legítimo papel de fiscalizador. As comissões parlamentares de inquérito, que outrora serviram de instrumento para o desmantelamento de vários esquemas criminosos e que afastaram da vida pública tantos malfeitores, foram totalmente desacreditadas pelos governos do PT e pelo seu rolo compressor.
Nada, absolutamente nada de relevante pôde, por exemplo, ser levantado pela CPI da Petrobras, diante de relatores subservientes e das negociatas nos porões do Palácio da Alvorada. O Brasil posteriormente se depararia com o gigantesco escândalo do Petrolão. Só para refrescar a memória.
Lula não apenas sabia de tudo, mas foi conivente e, muitas vezes, até cúmplice. Foi uma decepção em vários sentidos.
Nos decepcionou como político, como liderança que se dizia comprometida com a ética e com a honestidade, como símbolo da mudança nas relações do governo com a sociedade, do Executivo com os demais poderes e, principalmente, como esperança de algo realmente novo na vida nacional.
Sua conivência com malfeitos e sua cumplicidade com seus aliados não estão, de forma alguma, à altura das expectativas que o povo brasileiro tinha nele. Sua rendição às chantagens políticas e sua união a gente que ele sempre execrou em público para depois fazer conchavos e acordos de bastidores não são compatíveis com seu discurso nem com as bandeiras que outrora empunhava.
Outro mito que desmoronou foi a imagem de um Lula democrata e estadista. Não apenas diante de acobertamentos explícitos a ditadores sanguinários como Hugo Chavez e Nicolás Maduro, com indisfarçável simpatia pelo modelo venezuelano de controle dos meios de comunicação, mas Lula desmoronou diante da sua falta de compreensão da importância da oposição em uma democracia.
Digo isso porque não há melhor aliado do que um adversário digno, alguém que critique e denuncie os erros da gestão, mas também apoie nos momentos em que estiverem em jogos os reais interesses do país, alguém que, inclusive, possa dizer aos aliados de ocasião aquilo que o governante gostaria de dizer, mas não pode, um opositor que não venda seu apoio, nem seu silêncio, em troca de cargos ou liberação de emendas.
Menos mal para a história da Paraíba que a palavra “Nego” foi honrada por um senador nosso que teve peito para denunciar e colocar em sacrifício o seu próprio mandato.
Efraim Morais foi alvo na eleição de 2010 de um plano de vingança que incluía Arthur Virgílio (AM), Tasso Jereissati (CE), Mão Santa (PI), Heráclito Fortes (PI), Heloísa Helena (AL), dentre outros senadores que ousaram fazer oposição verdadeira ao governo do PT. Sua contribuição jamais será esquecida por milhares de eleitores paraibanos.
Efraim de Araújo Morais: não sei por onde ele anda, mas eu sei o que ele faz. Faz uma falta danada.
Por Ytalo Kubitschek